A clássica das clássicas nasceu há 35 anos. Foi em 1987 que José Megre, Pedro Vilas-Boas e o grupo de pioneiros do Clube Aventura criaram aquela que viria a tornar-se uma das mais emblemáticas bajas da Europa. O 1.º Rali Maratona de Portalegre - Finicisa encapsulou toda a dedicação, engenho, criatividade e capacidade de superação dos pioneiros do todo-o-terreno em Portugal. No livro “Aventura 87”, o saudoso José Megre faz um relato 'delicioso' da odisseia original de Portalegre. Aqui ficam alguns trechos de uma viagem no tempo.
"É difícil escrever objetiva e desapaixonadamente sobre uma prova a que se está ligado desde o seu início. A criação de alguma coisa nova, mesmo que seja idêntica no seu espírito a outras que já existem, não é fácil e necessita de uma grande motivação e dedicação.
600 quilómetros disputados ao cronómetro, do princípio ao fim, para automóveis e motos, um percurso secreto sinalizado com flechas, quatro pontos de assistência sem neutralização. É este o segredo das provas tipo Baja, de que a nossa Maratona foi o primeiro exemplo em Portugal.
Tivemos que adaptar a ideia ao nosso país, encontrar os apoios, logísticos, financeiros e pessoais necessários, torná-la aceitável pelas autoridades federativas e vender a ideia aos concorrentes, patrocinadores e órgãos da comunicação social.
O enorme puzzle que constitui a montagem da prova ao nível técnico, desde a rede rádio, os meios aéreos, a articulação de todos os controlos, a balizagem dos caminhos, a montagem do dispositivo no dia da Prova, o policiamento dos controlos de intersecção, as equipas dos controlos de passagem (alguns horários para poder neutralizar a prova em caso de emergência), os postos de controlo de cruzamento com a estrada de alcatrão, a colocação dos Bombeiros, GNR e médicos e, acima de tudo, os guardas dos caminhos, voluntários locais, ambulâncias, de cuja responsabilidade dependia o fecho do circuito, ou seja, impedir que outras viaturas se intrometessem no itinerário da prova.
Foram várias noites a pensar na melhor maneira de o fazer, muitas viagens a Portalegre para contactar os responsáveis pelas autarquias e os clubes locais, inúmeros contactos pessoais, «briefings» com os intervenientes, explicações de vários tipos, reconhecimentos constantes do percurso.
É que ninguém tinha visto qualquer coisa de parecido com o que se iria realizar. Tivemos de explicar a ideia às autoridades intervenientes, concorrentes e membros da organização. Em muitos, senti cepticismo. Mas, junto com o Pedro, conseguimos ultrapassar as várias dificuldades e realizar com sucesso o 1.° Rali Maratona em Portugal. Portalegre foi o distrito eleito pelos apoios de vária natureza que ali conseguimos.
Uma outra dificuldade que não dimensionámos à partida foi a alteração do estado dos caminhos devido às chuvas que se abateram sobre a região nos três meses que antecederam a prova.
Várias vezes mudámos o percurso. O Pedro Vilas-Boas passou horas e horas a tentar arranjar a solução, ensaiando várias hipóteses e ficando longos períodos preso no lamaçal, de onde só sairia a altas horas da noite, auxiliado pelos grandes entusiastas locais.
Até ao último dia hesitámos em dois pontos, mas que se traduziram num sucesso! Um de passagem da Ribeira de Seda, que variava de altura todos os dias. Acabou por ser necessário descarregar na véspera pedras no leito do rio, trabalho desenvolvido pela Câmara de Alter, o que permitiu a passagem dos carros de duas rodas mas que dificultou a tarefa dos motociclistas.
O outro foi uma ribeira que desagua na Barragem do Maranhão, próximo de Benavila. Talvez o ponto mais critico da prova, pois a única solução era introduzir 17 km de alcatrão, o que queríamos evitar a todo o custo.
Tivemos vários problemas à passagem desta, mais quando fazíamos os reconhecimentos e, inclusive, no dia em que marcávamos com setas o itinerário. Acabámos por resolver o assunto numa visita de emergência ao Presidente da Câmara de Avis, que em meia dúzia de horas construiu uma verdadeira auto-estrada no local! Ao menos, os habitantes também beneficiaram!
A lama acabou por ser o grande quebra-cabeças, pois estava em jogo a realização da prova. Era difícil neutralizá-la no caso de ninguém passar por um determinado local.
Em muitos locais houve grandes dificuldades que não prevíamos, pois a passagem de vários carros fazia abater as estradas em troços onde nunca pensámos que tal sucedesse.
Por isso, só (cerca das 19.30 horas) quando a primeira moto e o primeiro carro (cerca das 22) cortaram a meta, respirámos aliviados e nos passou o peso das nossas preocupações. Dei nessa altura um abraço ao Pedro, que só ele e eu compreendemos.
Efectivamente, várias vezes durante o dia tivemos de alterar pequenas passagens e algumas foram os próprios concorrentes que as encontraram naturalmente. As máquinas das várias Câmaras e tratores particulares andaram todo o dia a acudir aqui e ali para desenterrar automóveis e jipes, ficando muitas vezes eles próprios atolados.
Nós próprios, e para grande gozo dos concorrentes, ficámos irremediavelmente atascados, o Pedro e eu, cada um no seu jipe, às 6 da manhã, quando tentávamos socorrer alguns concorrentes ainda em situação difícil. Só com a ajuda do comandante Belo Morais e três enormes carros de Bombeiros com guincho conseguimos sair da posição dificil em que nos encontrávamos ainda às 10 da manhã!
Quase não tive tempo de me despedir do Patrick Zaniroli e tomar banho antes da distribuição de Prémios. Foi a vingança dos concorrentes que sofreram a dureza da Maratona!
José Megre"