Para mais tarde recordar. A Baja Portalegre 500 teve emoção e incerteza até aos quilómetros finais, com João Ferreira (23 anos) a tornar-se o mais jovem vencedor de sempre da clássica alentejana e de uma prova da Taça do Mundo. Nas motos, assistiu-se à mais curta margem de vitória nas 36 edições da prova do ACP e provavelmente do todo terreno mundial, com António Maio a bater Martim Ventura por 0,1s... após 414,21 quilómetros!
António Maio nem queria acreditar. Com os dois filhos bebés nos braços, em plena Herdade das Coutadas, um dos palcos emblemáticos da Baja Portalegre 500, o heptacampeão nacional recebeu a notícia de que tinha acabado de vencer a prova das motos pela oitava vez, mas esta... por 0,1s! A poucos metros, Martim Ventura ainda recuperava o fôlego, após uma exibição notável, dedicada ao pai, onde atacou como nunca para tentar 'roubar' a vitória a um dos ídolos de infância.
Era Portalegre a ser Portalegre: emoção e incerteza até ao último metro, até à última gota de suor e lágrimas. Porque o verdadeiro espírito da Baja Portalegre 500 vai muito além de vencedores e vencidos. É um microcosmos de emoções, feito da paixão dos adeptos – aos milhares, como sempre – e da superação dos pilotos, homens e mulheres, de diferentes gerações e proveniências.
Pouco antes, no parque de assistência, uma piloto dos SSV, oriunda da Arábia Saudita, já se mostrava rendida na estreia em Portalegre: “Estou a adorar! Há mesmo muito público e aqui temos vários SSV em prova. Parece que isto já faz parte da cultura!”, afirmava Mashael Alobaidan, que espera ser um exemplo para as pilotos femininas do seu país.
Ao longo de 35 anos, o apelo de Portalegre atraiu grandes nomes do desporto motorizado mundial, em duas e quatro rodas: de Colin McRae a Carlos Sainz, de Stéphane Peterhansel a Ari Vatanen, de Thierry Magnaldi a Richard Sainct, entre tantos outros. Este ano, os pilotos portugueses assumiram o protagonismo e produziram novas histórias, dentro da História. Além da mais curta margem de vitória de sempre na Baja Portalegre 500, nas motos (ler mais abaixo), a prova dos automóveis ficou marcada pela vitória do campeão nacional e europeu João Ferreira que, aos 23 anos, se tornou o mais jovem vencedor de sempre de um evento da Taça do Mundo FIA de Bajas.
O derradeiro dia de prova começou com Yazeed Al-Rajhi a reforçar o comando que já trazia do dia anterior, com o piloto da Toyota a ser o mais rápido nos 204,66 quilómetros do Setor Seletivo 3. Contudo, João Ferreira ficou a apenas 4,3s do saudita e manteve a pressão para o quarto e decisivo Setor Seletivo. Aí, a chuva forte – com períodos de granizo – alterou, por completo, o perfil da competição. Os SSV da categoria T3 passaram a impor o ritmo e Armindo Araújo chegou a ser o piloto mais rápido em prova, antes de um toque deixar o heptacampeão nacional de ralis fora de ação. João Dias, o campeão nacional da categoria, passou então a ser o mais sério candidato à vitória – que seria a primeira de um T3 na Taça do Mundo –, mas João Ferreira fez uma ponta final notável e anulou o tempo perdido para o piloto do Can-Am. O jovem leiriense, navegado por David Monteiro, fecha a época com uma vitória memorável na prova do ACP.
“É uma sensação incrível, nem acredito que consegui ganhar. Depois do acidente que tivemos a semana passada, não acreditava que conseguia ganhar a corrida, nem que ia ter andamento para os mais rápidos. Foi uma luta desde o primeiro quilómetro, mas estou muito satisfeito. A época foi boa (ndr, só por uma vitória é que não fez o pleno no campeonato) e quero agradecer a todos os que nos apoiaram, especialmente aos nossos pais, à ARC e à X-Raid”, referiu o piloto do MINI, que depois explicou o segredo da vitória em Portalegre: “O último setor foi particularmente difícil, por causa da chuva, que tornou o piso muito traiçoeiro. Nas ribeiras apanhámos alguns sustos, porque o carro ficava preso a atravessar a água e era aí que o João Dias nos ganhava tempo. Depois, na parte final, como já estava mais seco deu para atacar. Terminar assim é como colocar a cereja no topo do bolo”, referiu o jovem campeão nacional e europeu.
Quase, quase...
Após 447,62 quilómetros cronometrados, João Dias e João Miranda ficaram a 21,7s da dupla do MINI, demonstrando a eficácia dos T3, mais leves, mas com menor velocidade de ponta do que os T1. “O resultado foi espetacular e o João Ferreira mereceu a vitória, dou-lhe os parabéns. Eu fiz o que me foi possível. A 60 km do fim sabia que estava à frente, mas depois como o traçado tinha muitas retas até ao final, o handicap do nosso carro, que está limitado a 135 km/h de velocidade de ponta, não permitiu que nos batêssemos de igual para igual. Ainda assim, fico feliz com o resultado”, apontou o piloto do Can-Am.
Yazeed Al-Rajhi ficou fora da luta pela vitória no SS4, com problemas de direção na Toyota Hilux T1+, abrindo caminho ao pódio absoluto de Luís Portela de Morais, com o T3 navegado por Tomás Dantas. Tiago Reis e Valter Cardoso também tiveram um dia atribulado este sábado, mas a dupla da Toyota Hilux conseguiu o quarto lugar da geral, na frente do Can-Am de Cristiano de Sousa e Fausto Mota, que completou os cinco primeiros.
No Evento Nacional, registo para a vitória de Filipe Cameirinha e José Marques, aos comandos de um Can-Am, na frente do surpreendente Sérgio Matos (navegado por Sebastião Dominguez), que levou a pick-up Mercedes ao segundo lugar, apenas na sua segunda prova no TT.
Final 'à Hollywood'
Verdadeiramente incrível foi o final da prova das motos. Foi por um escasso décimo de segundo que António Maio (Yamaha) conquistou a oitava vitória na Baja Portalegre 500... depois de 414,21 quilómetros! “Já perdi esta prova e o campeonato por um segundo. Já me aconteceu de tudo nesta corrida!”, lembrou o piloto e major da Guarda Nacional Republicana. “Ganhar por uma décima é sempre uma vitória, ainda para mais quando estou a festejar 20 anos de carreira. Quero agradecer à minha família, aos meus amigos e aos patrocinadores que me têm acompanhado ao longo destes 20 anos, alguns deles desde o início. E quero dedicar a vitória ao Armindo Neves (ndr, piloto que recentemente faleceu no Africa Eco Race).”
Apesar de ter ficado a apenas 0,1s da estreia no lugar mais alto do pódio, Martim Ventura (Yamaha) não conseguiu disfarçar emoções contraditórias: “Não sei o que dizer… Tenho de ficar feliz pelo ritmo e por mostrar que consigo ‘dar cartas’ nos próximos anos. Ontem, fui o mais rápido na pista claramente, mas levei uma penalização de dois minutos… É o que é, mas estou orgulhoso de estar aqui a lutar com o Maio, que acompanho desde os meus 7, 8 anos. Há 10 anos nunca pensei que isto pudesse acontecer, mas trabalhei e por uma decimazinha não consegui. Mas estamos cá para o ano e vamos ver o que vai acontecer.” Um duelo de dois talentos de diferentes gerações, que entrou na História da Baja Portalegre 500. O lugar mais baixo do pódio foi ocupado por Gustavo Gaudêncio (Honda), enquanto Miguel Castro (KTM) e Daniel Jordão (Husqvarna) fecharam o quinteto da frente.
Estreia a ganhar de João Vale nos Quads
Também nos Quads, dois pilotos travaram, desde o primeiro quilómetro, uma animada luta pela vitória. Após ter sido o mais rápido no “Prólogo”, João Vale (Yamaha) entrou na “especial” de hoje com um ritmo bastante forte, que lhe permitiu recuperar a liderança e manter, ao longo dos mais de 300 quilómetros de percurso, uma vantagem relativamente confortável para Luís Fernandes (Yamaha).
No final, o campeão nacional não disfarçou a emoção pela estreia no lugar mais alto do pódio: “Eu e a minha equipa já tentávamos vencer há algum tempo. Não foi à primeira, não foi à segunda, mas como diz o ditado, à terceira é de vez. Fomos inteligentes, os mais fortes e foi mesmo uma época extraordinária”, numa referência ao facto de ter juntado o título nacional à vitória na Baja Portalegre 500.
Vítima de um motor pouco colaborante em algumas fases e de uma queda, Luís Fernandes (Yamaha) foi o segundo classificado, enquanto Filipe Silva (Suzuki) subiu ao degrau mais baixo do pódio. Fernando Cardoso e Rafael Carvalho (ambos em Yamaha) fecharam os cinco primeiros no final.
Dedicatória especial nos SSV
Pelo segundo ano consecutivo, Gonçalo Guerreiro, com Fernando Mendes como navegador, conquistou a vitória na Baja Portalegre 500 entre os SSV. Um sucesso que lhe permitiu sagrar-se campeão nacional. Duas razões suficientemente fortes para justificar ser um dos mais emocionados no controlo final, mas com outras emoções à mistura: “Não sei o que dizer. Estou mesmo muito feliz, mas foi uma prova difícil. Dedico esta vitória e o título… à minha avó, que faleceu recentemente.”
A dupla João Monteiro / Nuno Morais foi a principal adversária. “Começámos mal, depois viemos a atacar, mas a 15 quilómetros do final partiu-se uma correia. É inglório, mas é assim mesmo. São as corridas!”, desabafou o piloto do Can-Am. Nos lugares imediatos classificaram-se Marco Pereira / Eurico Adão, Ricardo Sousa / Jorge Brandão e Ruben Rodrigues / Rui Paulo, que fecharam o quinteto da frente.
Registo, também, para Roberto Borrego, o líder do campeonato à partida da Baja Portalegre 500, mas que hoje ficaria arredado da discussão dos lugares cimeiros devido a problemas técnicos. O nono lugar foi insuficiente para impedir Gonçalo Guerreiro de chegar ao título.
Classificações – 36.ª Baja Portalegre 500
Autos
1º João Ferreira / David Monteiro (MINI), 5h43m56,6s
2º João Dias / João Miranda (Can Am), a 21,7s
3º Luís Portela de Morais/Tomás Neves (OT3 OT3), a 4m26,6s
4º Tiago Reis/Valter Cardoso (Toyota), a 14m30,9
5º Cristiano Batista/Fausto Mota (BRP Can Am Maverick), a16m29,4s
Motos
1º António Maio (Yamaha), 5h07m53,1s
2º Martim Ventura (Yamaha), a 0,1s
3º Gustavo Gaudêncio (Honda), a 7m28,5s
4º Miguel Castro (KTM), a 11m30,1s
5º Daniel Jordão (Husqvarna), a 13m39,3s
Quads
1º João Vale (Yamaha), 5h43m08,6
2º Luís Fernandes (Yamaha), a 3m24,4s
3º Filipe Silva (Suzuki), a 18m08,4
4º Fernando Cardoso (Yamaha), a 18m38,4s
5º Rafael Carvalho (Yamaha), a 19m59,9s
SSV
1º Gonçalo Guerreiro/Fernando Mendes (Bombardier Can Am RXS), 5h29m21s
2º João Monteiro/Nuno Morais (Can Am Maverick X3), a 4m04,2s
3º Marco Pereira/Eurico Adão (Can Am Maverick XRS), a 11m28,1s
4º Ricardo Sousa/Jorge Brandão (BRP Can Am X3), a 13m47s
5º André Carita (Can Am X3), a 14m03,5s
Mini Baja
1º Domingos da Cunha (Yamaha), 1h06m54s
2º Miguel Ferreira (Yamaha), a 1m53s
3º António Feliciano (Yamaha), a 3m03,9s
4º Luís Brandão (KTM), a 5m30,7s
5º Martim Caetano (Yamaha), a 6m40,5s