Nuno Matos é o único piloto natural de Portalegre que chegou a campeão nacional absoluto de TT. As memórias de infância, “quando me ‘auto-dispensava’ das aulas para ir ver o Prólogo”, e o título nacional conquistado na prova do ACP, em 2016, ajudam a explicar a mística de Portalegre...
Em abril de 1987, há precisamente 36 anos, José Megre, Pedro Vilas Boas e os pioneiros do Clube Aventura organizavam a primeira competição oficial de todo o terreno em Portugal, na região de Portalegre. Um total de 130 automóveis e mais de 69 motos, com várias máquinas de série, participaram na primeira Baja, então chamada Rali Maratona de Portalegre - Finicisa. Um dos jovens espectadores fascinados por aquele espetáculo era Nuno Matos. Afinal, o que torna a Baja Portalegre 500 tão especial?
“Desde logo, o facto de ter sido uma das primeiras provas do género”, recorda o antigo campeão nacional de T1, T2, T8 e vencedor da Taça FIA de Bajas. “Como se realiza no final de outubro, as condições são sempre imprevisíveis e tanto podemos ter muito pó como um verdadeiro dilúvio… às vezes dentro da mesma prova! Depois, a cidade e toda a região receberam esta prova como uma verdadeira festa. Portalegre deve ter mais público do que todas as outras bajas juntas, sem desprestígio para ninguém. Esse lado humano é uma das facetas mais importantes de Portalegre. Eu sou local e, obviamente, vivo isto de forma ainda mais intensa. Lembro-me de nas primeiras edições pegar na minha BMX e ‘auto-dispensar-me’ das aulas para ir ver o Prólogo! Sempre com o sonho de, um dia, poder estar ali. Felizmente, tive o privilégio de concretizar esse sonho”, refere, aludindo à dramática edição de 2016.
Até ao último metro!
Nesse ano, Nuno Matos conseguiu o título nacional absoluto perante o 'seu' público, em circunstâncias muito especiais. "Em 2015 já tínhamos estado muito próximos. Na altura, eu, o Miguel Barbosa e o Hélder Oliveira podíamos ser campeões em Portalegre, mas infelizmente tive um problema no (Opel) Mokka e ficámos fora da luta. Em 2016 tivemos aquela 'estrelinha' da sorte que também é importante. Era um projeto 100 por cento nacional, com um carro feito em Portugal, assistido pelos técnicos da AMatos Car, usávamos pneus nacionais... Tínhamos uma missão difícil pela frente mas fizemos um campeonato bastante regular e chegámos a Portalegre em luta direta com o João (Ramos). Quem ficasse à frente era campeão, e se o título tivesse ido para o João também ficava bem entregue. Foi uma prova disputada ao minuto, literalmente até ao último metro, até ao parque fechado! Na zona da Ponte de Sor, ali nos últimos 100 quilómetros da prova, começámos a perceber que algo tinha acontecido, porque as pessoas simplesmente saltavam e gesticulavam à beira da estrada, uma coisa como nunca tinha visto... Conto isto e estou a arrepiar-me todo ao lembrar essas imagens. Mais tarde, percebemos que tínhamos passado para a frente da prova, mas eu sabia que a última parte da prova era favorável ao carro do João, com aqueles retões enormes. Ainda assim, dei o máximo e o Filipe Serra na altura virou-se para mim e disse, "Nunca te vi guiar assim!". Mas nos últimos dois quilómetros a correia de acessórios do carro saltou, talvez porque vínhamos a 170 / 180 km/h no meio da lama! O carro começou a aquecer, fiquei sem direção assistida. Na zona da ribeira tive de fazer marcha-atrás, porque não conseguia virar o carro. Chegámos ao final com o motor a 130º C... foi dramático para nós. Pensei sinceramente que tinha perdido tudo e só quando parámos o carro percebemos que afinal éramos campeões. Não aguentei e desfiz-me em lágrimas… Pensei nesses tempos de miúdo, pensei nessa paixão, em todo o trabalho até chegar ali. Costumo dizer que sou um "filho da Baja", pois ninguém na minha família estava ligado ao automobilismo. Esta baja é obra de homens como José Megre e eu sinto que sem esses heróis, a minha vida teria sido diferente. Por tudo isto, o Portalegre tem um significado quase inexplicável", aponta Nuno Matos.