Apaixonado de longa data do TT, e participante habitual das 24 Horas TT Vila de Fronteira, o jornalista Rui Cardoso conta como se ‘despediu’ da Baja Portalegre 500, numa prova digna das diluvianas edições de 1987, 1989 e 1997…
Por Rui Cardoso
“Os lamaçais, charcos e ribeiras que ajudaram a pequena força de Nuno Álvares Pereira a derrotar a cavalaria castelhana a 6 de Abril de 1384 deram nome à batalha travada perto de Fronteira: Atoleiros. E foi justamente contra os atoleiros a luta dos pilotos e das máquinas nesta 37.ª edição da Baja de Portalegre, disputada a 27 e 28 de Outubro.
Verdade seja dita, Portalegre sem lama é um mero rali para jipes, cada vez mais rápidos e potentes. Esta corrida TT tem outra graça (e, claro está, outra dificuldade) se chover a sério. E foi isso que aconteceu desta vez, remetendo para edições lendárias, desde a primeira baja em 1987, aos dilúvios de 1989 (só 16 carros chegaram ao fim) ou 1997 (meia centena de carros atascados no final do prólogo).
Para mim que me queria despedir do “Portalegre” com honra e pundonor (antes que a idade começasse a pesar demasiado) foi a realização de um sonho: uma corrida à antiga, com lama e água como há muito não se via, dando tudo por tudo para cumprir os objectivos fixados: gozar o meu estatuto de decano dos pilotos portugueses presentes nesta edição da prova, não bater, não atascar, não estragar o carro, não ser o último e ajudar quem porventura precisasse. E tudo isto perante o melhor público do mundo que enche as zonas espectáculo, monta tendas e arraiais ao longo do percurso e nos aplaude, encoraja e oferece cervejas e bifanas.
Imparável em todos os terrenos
E assim foi! A nossa Nissan Navara D22 da Oeste Racing – um T2, ou seja quase um carro de série – revelou-se um veículo de sonho à altura de uma pista de pesadelo. Andou que se fartou quando houve condições para isso e, na hora de fazer TT a sério, isto é de escorregar pelos barros de Fronteira em intermináveis power slides, atravessar mares que pareciam nunca dantes navegados e rasgar caminho através de pântanos dignos da rasputitsa ucraniana (como o que havia no final do troço de sábado de manhã à entrada de Portalegre, logo depois do túnel sob o IP2), nunca lhes mostrou medo e, qual dragão das lendas antigas, fez ouvir o seu ronco e largou, senão chamas, pelo menos nuvens de fumo preto (politicamente inconvenientes nos tempos que correm, bem sei).
O ponto alto da corrida – foram tantos, mas escolho este – foi no último troço à tarde. Havia uma zona espectáculo na Comenda com centenas de pessoas. Cruzávamos uma ribeira funda, seguida de lamaçal e tínhamos que subir uma encosta completamente escavada, barrenta e sinuosa. Os 160 cavalos da nossa pick-up relincharam de alegria e, no meio de uma tempestade de aplausos, conseguimos chegar lá acima à primeira tentativa. Um par de quilómetros adiante, ainda fomos a tempo de tirar outra pick-up de uma vala (para nós, os velhos, é ponto de honra nunca deixar um adversário pendurado).
E foi assim que como Gonçalo Mendes da Maia, o fronteiro de Beja cujos feitos foram cantados por Alexandre Herculano, passei de vez o testemunho à geração mais nova, embora pronto a voltar a pôr o capacete (e a chatice do Hans) se o dever me chamar. A despedida definitiva será de 1 a 3 de Dezembro nas 24 Horas TT de Fronteira.”